quarta-feira, 1 de agosto de 2007

Velho mestre


Ontem à tarde mais uma vez fui aporrinhar o meu velho mestre, Prof. Jayme. Dessa vez não esbarrei propositalmente com ele pelos corredores do prédio de Ciências Humanas da Católica, mas fui até sua casa. Motivo? Livros. E também, claro, visitar o professor que muito me influenciou.


Fui especialmente para pegar emprestado um livro de Raul Brandão, Húmus. Mas quando entrei em sua biblioteca, com as paredes forradas por estantes entupidas de livros, edições portuguesas raríssimas, tive vontade de não sair mais de lá. Pensei, "bem que ele podia dar alguns desses livros pra mim, nem vai fazer falta". Havia uma coleção de contos de Eça de Queiroz maravilhosa. Alguns romances esgotados de Manuel da Fonseca, edições portuguesas de Alves Redol, Lobo Antunes e por aí vai.


Sentado na confortável poltrona eu olhava maravilhado aquelas estantes e me sentia parte delas. Não sei por quê. É um mundo paralelo, à parte, fantástico. Falávamos sobre alguns desses autores e o tempo passava rápido. Não era suficiente para falarmos sobre todos aqueles nomes nas capas dos livros. Não tive coragem de pedir mais alguns livros emprestados, não achei conveniente. Mas tudo bem. Fiquei muito feliz por rever o velho mestre e satisfeito por sair de lá com Raul Brandão dentro da mala.


Pena que ele tem que voltar para a estante!


terça-feira, 31 de julho de 2007

LAVOURA AZUL

Trabalho nuvens como quem trabalha
o chão que é seu, mas eu não tenho chão.
Cultivador da natureza falha,
planto no azul o que de azul me dão.

Sobre o campo de nuvens cresce a palha
de sonho e cobre a minha solidão.
E esse abrigo de sonhos me agasalha
contra os falsos azuis que vêm e vão.

Minha roça no ar produz estrelas,
mas eu não tenho mãos para colhê-las,
nesta safra de azul que é nova e antiga.

Sou lavrador do quanto não se lavra
e preciso que eu ceife na palavra
o maduro do azul e a sua espiga.

José Chagas - De Lavoura Azul (1974)

Sonetos do Maranhão


José Chagas é praticamente um anônimo aqui no sul do Brasil. É um poeta que publicou e ainda publica muito. Dentre suas obras mais significativas estão Os Canhões do Silêncio (1979) e Lavoura Azul(1974).


Chagas é um hábil sonetista que cultua rimas preciosas e parece dedicar uma preferência toda especial pelo metro curto: há numerosos quadrissílabos, pentassílabos e até linhas de apenas duas ou três sílabas métricas.


Sem dúvida um grande poeta que não tem o merecido reconhecimento. Sua obra está praticamente restrita ao Maranhão e à Paraíba, seu estado de origem. Normalmente Chagas apresenta os poemas sob um título único, e cada poema aparece enumerado.


Em alguns momentos, sua poética lembra um pouco Manuel de Barros, mais em sua fase madura. Nos seus primeiros escritos há marcada influência de Agusto dos Anjos. Grande poeta anônimo esse Chagas. Grande mesmo.

domingo, 29 de julho de 2007

Outono


Mas quem diria ser Outono

se tu e eu estávamos lá?

( Tínhamos sono...Tanto sono!

É bom dormir ao deus-dará...)


E sobre o banco do jardim,

ante a cidade, o cais e o Tejo,

seria bom dormir assim,

ao deus-dará, como eu desejo...


Mas o teu seio é que não quis:

tremeu de mais sob o meu rosto...

Agora, nu, será feliz,

sob o afago do sol-posto...


Seria Outono aquele dia,

nesse jardim, doce e tranquilo...?

Seria Outono...

Mas havia

todo o teu corpo a desmenti-lo.


David Mourão-Ferreira

Morada

Era a colina grega!
( Em sonhos, a colina...)
Que ninguém a defina!
- Era a colina grega...
Em sonhos, a colina.

Mas a vida nem chega
a não nos dar razão:
autoritária e cega,
leva a colina grega
em outra direcção.

( Por um tímido preço,
um deus nos apontou,
na Morte, o endereço
de quem não se encontrou.)

David Mourão-Ferreira

Vergílio Ferreira e o nada


Sabe aqueles autores que descobrimos meio que sem querer? Pois é. Eu descobri Vergílio Ferreira dessa maneira, completamenmte por acaso, e serei eternamente grato ao acaso.


A descoberta de Vergílio devo ao Prof. Marcelo Franz, estudioso da obra do romancista português, e que analisou em sua tese de doutorado a obra do autor de Aparição. Sua tese foi publicada em forma de livro no ano passado, sob o título de A Inquietude da Memória - O Significado do lembrar em romances de Vergílio Ferreira.


Esse livro do professor Marcelo serve como exemplo para o cenário crítico atual, pois a obra de Vergílio Ferreira ainda está muito restrita ao meio acadêmico, e mesmo assim Vergílio é um autor muito pouco difundido no Brasil.


O primeiro livro que li de Vergílio Ferreira foi Aparição, e foi um choque. Eu nunca havia me deparado com um romance como aquele, que deixa a gente completamente mudado após a leitura. Esse livro mudou minha visão de "romance" e definitivamente minha visão de mundo. Isso mostra que as leituras que fazemos são importantíssimas em nossa formação, principalmente quando descobrimos autores e nos deparamos com obras que nos atingem, que nos instigam. Assim é Vergílio Ferreira. Um autor que deixa marcas profundas, um verdadeiro artista que fez de sua arte sua própria razão de viver, pois para o autor, como relatado em Cântico Final, a vida sem a arte não tem sentido.


Após a leitura de alguns livros que emprestei da Biblioteca Pública do Paraná e da Biblioteca Central da pucpr, fui atrás de seus livros. Hoje tenho alguns exemplares raros, como a segunda edição de Vagão "j", Mudança, Até ao Fim e Em nome da Terra. Muitas das leituras que fiz da obra de Vergílio Ferreira devo também ao professor Marcelo Franz, que me emprestou alguns exemplares algumas vezes.


Bem, a obra deste mestre português não vem até nós. Nós temos que encontrá-la de alguma maneira e não desistir de procurá-la, porque às vezes é difícil. Depois da leitura do primeiro livro a nossa visão sobre literatura, arte e vida muda completamente. E assim são os grandes autores. Literatura, arte e vida.