quarta-feira, 22 de abril de 2009

PHILIP ROTH: COMPLEXOS NA DIÁSPORA CONTEMPORÂNEA


Muitos escritores norte-americanos de origem judaica exploraram o chamado humor judaico na ficção, caso de Saul Bellow, Michael Gold e Philip Roth. Este último, talvez o mais significativo escritor americano do século XX ainda vivo, tem uma vasta bibliografia, entre ensaio e ficção. Roth é um praticante (em suas narrativas) do que ele próprio denomina de piada judaica, que está diretamente ligada à culpa, frustração e opressão da figura materna.

No romance O Complexo de Portnoy (1969) Roth cria o kafkiano personagem Alexander Portnoy, advogado com uma latente crise existencial e de identidade. Durante sua confissão ao seu psiquiatra, todo o livro é narrado como uma confissão do paciente Portnoy ao Dr. Spielvogel, Alex, em um monólogo não-linear, escancara toda sua história, desde sua conturbada infância em Newark até a fase madura, em que busca freneticamente encontrar sentido para sua vida. O que não ocorre.

A infância e adolescência de Alex Portnoy são permeadas por situações simbólicas que marcarão o protagonista por toda sua vida. No início do romance, no terceiro capítulo, Alex ainda criança descreve a mãe, Sophie Portnoy, um símbolo da tradicional yiddish mom, numa imagem bem familiar, preparando a refeição quando de repente começa a menstruar, e o sangue escorre pelas pernas e pinga no chão da cozinha. Essa cena provoca uma espécie de efeito catártico em Alex que mais tarde, já na adolescência lembrará.

Está claro que pela casa eu via menos o instrumento sexual dele do que as zonas erógenas dela. E certa vez vi o seu sangue menstrual...vi-o brilhando, escuro, ao meu olhar, no oleado gasto, em frente à pia da cozinha. Apenas duas gotas vermelhas, há mais de um quarto de século, mas que ainda fulguram na imagem dela, dependurada, perpetuamente iluminada, no meu Museu Moderno de Aflições e Ressentimentos.

Esse fragmento, além de descrever a forte impressão que o sangue causa em Alex, também remete ao conceito de Complexo de Édipo, pois Alex, quando criança, era forçado por sua mãe superprotetora a praticar carícias das quais ansiava e ao mesmo tempo queria se desvencilhar. Essa ambiguidade o acompanhará por toda sua vida. Não só nas relações sexuais, mas nos embates que travará consigo próprio em relção à sua identidade. Mais adiante, há um outro fragmento da narrativa de Alex que mostra a relação entre o sangue menstrual de sua mãe com a imagem da carne.

Nessa imagem há também um interminável gotejar de sangue, passando por uma tábua de drenagem, para dentro da panela. É o sangue que ela está drenando da carne, a fim de torná-la kosher e própria para o consumo.

Esse fragmento mostra claramente a alusão que o protagonista faz entre uma imagem de proteção e desejo (sua mãe) e de pecado (o sangue da carne e também o sangue menstrual, que por sua vez, também remete à culpa, pois se há desejo na imagem do sangue, o desejo é por sua mãe). Esse embate vai culminar numa repressão sexual e comportamental que permeará praticamente toda a adolescência de Alex. A prática do insesto, mesmo que imaginário, o levará à prática alucinada e desvairada do onanismo.

Há de se assinalar aqui, que ao passo em que Alex cresce, o complexo de Édipo é substituido pelo insesto. Alex masturba-se em qualquer lugar. No ônibus, na sala de aula, em sua cama, no banheiro. Uma imagem perturbadora e ao mesmo tempo cômica (como uma piada judaica), é Alex se masturbando no único banheiro do apartamento da família Portnoy, com os sutiãns de Hannah, sua irmã. Volta-se aqui, novamente à duplicidade que acompanha o protagonista durante toda sua jornada, ou seja, ora considera sua irmã e toda sua família (simulacro do povo judeu) repugnante; ora a deseja de uma maneira irredutível.

Em um romance como O Complexo de Portnoy, é interessante ressaltar a sua realização linguística, a sua composição narrativa. Neste romance de Roth, a narração é algo claramente assumido por Alex (metalinguagem), mesmo que o objeto livro não apareça em sua narrativa, pois seu relato apresenta-se ao leitor em forma de confissão ao seu psicanalista. E aí está a grande inovação de Roth. Abusa do fluxo de consciência que se faz perfeitamente aceitável e claro nesse seu estratagema: deitado no divã conta toda sua história de maneira completamente confusa e inebriante.

Philip Roth, ao publicar O Complexo de Portnoy em 1969, uma época de total desbunde e inovação cultural nos Estados Unidos, trabalha em dois aspectos principais: a sexualidade e o conservadorismo, em seu caso, a sua conflituosa relação com o judaísmo. Durante toda sua vida considerada adulta, dos 17 anos em diante, Portnoy sente-se rejeitado por sua condição de judeu, principalmente em relação à aparência. Alex, em passagens tragicômicas (tipicamente judaicas), dirige variados e diversos impropérios contra si próprio (como a imagem maior do estereótipo judaico) e contra os judeus, que ao longo do romance, parece uma forma de se auto-firmar como membro atuante de uma sociedade que o rejeita. Porém, todos esses insultos dirigidos aos judeus (e a si próprio), não podem ser levados muito a sério, pois Alex, por sua narrativa ser auto-diegética, não é um narrador muito confiávael.

No final de sua narrativa, ou de sua sessão com o Dr. Spielvogel, Alex deixa algo nas entrelinhas. Talvez o maior símbolo do romance. No último capítulo, intitulado No Exílio, Alex, entre uma relação conturbada e outra, parte para Israel em busca de respostas para perguntas que nem imagina quais sejam. Lá chagando, se envolve com uma componente do Exército Israelense, e a leva para seu quarto de hotel. Entre suas antigas lembranças de infância e adolescência, repletas por muita masturbação e por relações fracassadas, Alex sente que algo estranho está acontecendo consigo, e nessa noite não consegue ter ereção. Parte para mais um encontro, novamente encontra com judeus, que para ele é novidade, um país de judeus (aqui, a diáspora ocorre às avessas, pois há a idéia de fixação geográfica) e novamente, no último lugar em que pensou que fosse possível, descobre-se impotente.

Há aqui uma belíssima imagem, e também aterradora, de seus conceitos, princípios e credos sobre o judaísmo. Talvez esse seja o principal símbolo, a principal metáfora do romance, pois em toda sua vida Alex mostrou-se uma criatura promíscua, sádica e até certo ponto doentia. E também, numa imagem equidistante, sempre negou, ou sempre quis negar sua condição judaica, e apenas em Israel descobriu-se impotente sexual. Portanto, há uma alusão entre esses dois pólos parcialmente distintos, mas que se completam entre si. Assim como Alex Portnoy é incapaz de ter uma ereção (apenas em Israel), também é incapaz de assumir sua identidade. E essa sua revelação vai diretamente ao encontro de suas fobias, denominadas pelo Dr. Spielvogel, por Complexo de Portnoy.