sexta-feira, 17 de outubro de 2008

A CONTRIBUIÇÃO FEMININA PARA A POESIA DE TÁVOLA REDONDA


Jayme Ferreira Bueno*


A Revista Távola Redonda foi publicada em Lisboa, de 1950 a 1954. Incluiu um grande número de jovens poetas. Foram aproximadamente oitenta os colaboradores ao longo dos vinte Fascículos editados. É marcante também o número de colaboradoras. Foram doze as poetisas que contribuíram com poemas e algumas delas com ensaios sobre literatura.

Selecionamos três, as que aparecem com maior freqüência nas páginas de Távola Redonda. Na apresentação, indicam-se os Fascículos em que colaboraram: 1. Fernanda Botelho (1, 2, 4, 6, 7, 8, 10, 12, 14, 19 e 20); 2. Maria Manuela Couto Viana (2, 6, 7, 12, 19 e 20); e 3. Terezinha Éboli (9, 10 e 12), poetisa brasileira.

Outra característica importante da Revista foi abrigar poetas e poetisas de inúmeros outros países da Europa e da América. Do Brasil, participaram Cecília Meireles, Manuel Bandeira e Jorge de Lima, além da poetisa Terezinha Éboli. Apareceram também poetas de várias outras línguas, como Catulo, Elliot, Ezra Pound e outros.


FERNANDA BOTELHO


A poetisa que mais colaborou em Távola Redonda, em número e qualidade, foi, sem dúvida, Fernanda Botelho. Participou do primeiro grupo, aquele que idealizou e fundou a Revista e que incluía David Mourão-Ferreira, António Manuel Couto Viana e Luiz de Macedo.

Fernanda Botelho é de família de literatos. É sobrinha-neta do romancista naturalista Abel Botelho e aparentada do prosador do Romantismo, Camilo Castelo Branco. Iniciou seus estudos de Filologia Clássica na Universidade de Coimbra e concluiu o curso na Universidade de Lisboa.

É a poetisa que no grupo de Távola Re­donda pode ser classificada de original. A originalidade da sua poesia resulta de um conjunto de fatores que incluem aspectos de construção aliados a uma temática que surpreende o leitor. O geometrismo de suas imagens, o reaproveitamento de formas tradicionais, a ironia com que versa assuntos do quotidiano, a expressão lírica do amor impossível são elementos que tomam a sua poesia revitalizada. Destas características, a mais notada e referida pela crítica foi o geometrismo. David Mourão-Ferreira afirma: Em Femanda Botelho, tudo se converte em linhas, figuras, sombras e volumes, num desejo inconseiente de geometrização... A sua poesia encerra uma grande ironia.

Fernanda Botelho, depois da fase poética de Távola Redonda, passou-se para o romance. O conjunto de sua obra registra o primeiro livro, que foi de poesia, Coordenadas Líricas (1951), e depois os romances: O Enigma das Sete Alíneas (1956), O Ângulo Raso (1957), A Gata e a Fábula (1960), Xerazade e os Outros (1964), Lourenço é nome de Jogral (1971), Esta Noite Sonhei com Brueghel (1987), As Contadoras de Histórias (1998), para citar os mais reconhecidos pela crítica.

A poetisa e escritora nascida no Porto, faleceu em 11 de dezembro de 2007. Em órgão da imprensa portuguesa foi assim noticiada a sua morte: Morreu hoje a escritora e poetisa portuguesa e portuense Fernanda Botelho e afirma: Lembrar os poetas (com os poemas que fizeram e marcaram e marcam as nossas vidas) nas datas que marcaram as vidas deles. Como diz António Manuel Couto Viana, um dos colegas da escritora na redação de Távola Redonda: - A homenagem a um Poeta que morreu / É decorar-lhe os versos.

Para homenageá-la e para ilustrar a sua poesia, aquela publicada em Távola Redonda, seguem três poemas:


AS COORDENADAS LÍRICAS


Desviou-se o paralelo um quase nada

e tudo escureceu:

era luz disfarçada em madrugada

a luz que me envolveu


A geométrica forma de meus passos

procura um mar redondo.

Levo comigo, dentro dos meus braços,

oculto, todo o mundo.


Sozinha já não vou. Apenas fujo

às negras emboscadas.

Em cada esfera desenho o meu refúgio

— as minhas coordenadas.


FEITIÇO VIRADO


Ao luar,

a sombra da tua mão

alongou-se pelo chão.


Boneca-miniatura

na palma de mão gigante,

pisei, maldosa, a escura

sombra distante.


E daí, por sugestão,

foi que em mim nasceu, cresceu

esta triste condição

de te crer maior do que eu.


QUOTIDIANO


Sou eu. Sabes quem sou?

Não, não digas nada.

Sei apenas que estou

acabrunhada.

E se inclino o rosto,

se pareço uma pirâmide truncada

com sobrecasaca de frio,

é porque não gosto

de puxar o fio

à meada.


CONCLUSÃO


Távola Redonda
teve o mérito de fazer renascer em Portugal a atmosfera poética, ausente nas produções da década anterior. Foi essencialmente lírica seguindo a tradição portuguesa.

A Távola Redonda ao assumir um aparente não-compromisso com o social levou a sua produção a se voltar para um neo-esteticismo. Assim, foi freqüente seus colaboradores se voltarem à temá­tica da própria poesia uma de suas preocupações fundamentais.


Jayme Ferreira Bueno* é professor de Literatura Portuguesa e publicou Távola Redonda: uma experiência lírica, que resultou da tese de doutorado em Letras na Universidade de São Paulo.


quinta-feira, 16 de outubro de 2008

HOMENAGEM TARDIA

Mesmo sendo avesso a datas como Dia dos Professores, Dia dos Pais, Dia da Mulher, etc., não poderia deixar de homenagear aqueles professores que me marcaram ao longo da jornada escolar ou acadêmica. Lendo o blog do Prof. Jayme, li a homenagem que ele prestou aos seus professores, e senti-me na obrigação de homenagear os meus.

Seguindo o exemplo do Prof. Jayme, citarei três professores que me marcaram profundamente. A primeira é a Professora Simone, de língua portuguesa e literatura brasileira, que foi minha professora durante todo o ensino médio no Colégio Lacerda Braga, em Curitiba. Nessa época, entre 15 e 17 anos de idade, eu ainda não sabia que caminho seguir na universidade. A opção pela vida acadêmica já existia, graças à professora Simone. Como experiência, prestei vestibular para História, pois já sabia que a área que seguiria seria dentro das Ciências Humanas. Como ainda não havia terminado o Ensino Médio, não pude iniciar o curso, fato que me deixa muito satisfeito hoje em dia (mesmo sendo apaixonado pela História).

No último ano do ensino Médio, a Prof.ª Simone promoveu um concurso de contos no colégio, e nesse concurso eu me inscrevi e fiquei em terceiro lugar. Eu já tinha algum interesse pela literatura, mas nada profundo. E foi exatamente por causa desse singelo concurso que o gosto pela literatura me levou ao curso de letras. O prêmio que ganhei por ter me classificado em terceiro lugar foi um exemplar (o qual guardo até hoje) de Memórias Póstumas de Brás Cubas. Esse episódio foi fundamental para a escolha de minha carreira acadêmica e profissional.

Já na universidade, em contato com um universo diferente daquele do Ensino Médio, tive o privilégio de conhecer o Professor Marcelo Franz. Com seu jeito introvertido, sério e às vezes um tanto quanto mal-humorado, ministrava suas aulas de Literatura Brasileira, Teoria da Literatiura e Literatura Portuguesa. Eram as aulas do Prof. Marcelo que faziam com que eu passasse as tardes na sala de aula (eu estudava à tarde). É também ao professor Marcelo que devo a descoberta de grandes autores, muitos dos quais carrego comigo até hoje, como Vergílio Ferreira, Raduan Nassar, Dino Buzzati e vários outros.

Tive o privilégio de contar com o Prof. Marcelo, novamente, na pós-graduação em Literatura Brasileira. O Prof. Marcelo foi o orientador de minha pesquisa na especialização na pucpr, e sua orientação segura, crítica e sempre agradável, me levou a alcançar o bom resultado que alcancei na defesa. Mesmo depois de alguns anos longe um do outro dentro de sala de aula, pois conclui a graduação em 2006, eu e o Prof. Marcelo continuamos mantendo contato. Continuei pedindo indicações de leitura e material de apoio, sendo sempre muito bem atendido.

Fato semelhante aconteceu com o Professor Jayme Ferreira Bueno. Prof. Jayme foi meu professor de Literatura Portuguesa durante todo o terceiro ano da graduação, em 2004. As aulas do Prof. Jayme despertaram minha atenção para a Literatura Portuguesa, pois eram diferentes de todas as outras. Normalmente o Prof. Jayme entregava uma lista de obras e dividia a classe em grupos, e cada grupo ficava encarregado de analisar uma obra. O interessante era que eu me via na obrigação de ler todas as obras da lista, mesmo as obras que não seriam analisadas por meu grupo. Aquele ano foi, com certeza, o mais produtivo dos quatro que passei na graduação. De um lado havia o Prof. Jayme, sutilmente nos obrigando a caminharmos com nossos próprios passos, pois 50% do aprendizado dependia de mim, de minhas leituras, das pesquisas. De outro havia o Prof. Marcelo, que ministrava aulas detalhadas ao extremo, sempre com muito afinco e exigência, com muito embasamento teórico.

Houve, é claro, muitos outros professores que marcaram durante toda a graduação (e na pós-graduação também), mas o Prof. Jayme e o Prof. Marcelo foram os principais. Sinto pela distância, mas é algo a que temos de nos acostumar, é inevitável. Mas sempre estão na lembrança. Parabéns e muito obrigado.