sexta-feira, 28 de novembro de 2008

DANIEL GALERA: MIMESE COMO LEITMOTIV DE CORDILHEIRA


Muito se tem falado ultimamente sobre a nova literatura brasileira, sobre a nova geração que vem publicando de 2000 pra cá. É fato que editoras, as grandes, têm certa relutância em lançar autores novos. Pra conseguir uma suscinta publicação de 250 exemplares já é um feito homérico quando se trata de um autor inédito. Porém, é fato também, que muitos autores novos que publicam através de grandes editoras, não são tão superiores a outros, que publicam por editoras menores e fazem edições idependentes.

Daniel Galera, autor dessa chamada nova geração de prosadores, é um escritor que se situa em um meio termo entre a boa literatura e a literatura amadora. O romance Cordilheira (2008) publicado pela Companhia das Letras, mostra um autor que escreve bem, é um bom narrador, mas deixa a desejar no que concerne à técnica. Não que Daniel não acerte em muitas passagens do romance, mas logo no início do livro, o autor tenta passar a impressão de que o leitor está prestes a inicar a leitura de uma obra-prima.

O livro narra a história de Anita, uma jovem escritora brasileira que para divulgar a edição argentina de seu romance, viaja a convite da editora para Buenos Aires. Desiludida com sua própria obra, com um relacionamento fracassado e com o suicídio de uma amiga próxima, Anita se entrega de corpo e alma aos desejos de um fã com hábitos muito estranhos, social e sexualmente. Talvez uma releitura de Delta de Vênus, de Anais Nin?A partir de encontros com os amigos bizarros de Holden, com quem Anita passa a viver em Buenos Aires, Anita vai percebendo que todos eles são escritores, e que vivem sob falsas identidades, tentando imitar, ao máximo, a vida de seus personagens. Até Holden, que tem um romance publicado há algum tempo e o guarda como um segredo de estado.

O enredo de Cordilheira não apresenta muitas novidades no decorrer de suas 175 páginas. Com a exceção de descrições belíssimas de paisagens de Buenos Aires e da Patagônia, o enredo é até certo ponto previsível. No início da narrativa há a falsa impressão de uma experimentação formal em relação ao foco narrativo, mas logo se percebe que trata-se de obra linear sem novidade alguma. Outro fato que torna a narrativa de Cordilheira falha, é a tentativa de causar impacto a qualquer custo, como nas cenas de sexo. Algumas são muito boas, muito bem descritas e até certo ponto líricas, mas isso tudo se perde quando Galera tenta criar um clima sombrio de qualquer forma, e isso acaba prejudicando a verossimilhança que, claramente, ele busca mostrar em todo romance.

Anita quando decifra o mistério que envolve Holden e seus amigos, sem explicação alguma e numa atmosfera que tenta ser nonsense, entra no jogo de Holden e embarca numa viagem interior que tem por objetivo anular toda sua vida anterior. E isso só ocorrerá realizando seu maior desejo, que é engravidar, não importa de quem, mas sim engravidar. Fato que vem a acontecer.

Todos os amigos de Holden, Pepino, Silvia, Vigo, Parsifal, Esteban, quando finalmente chegam ao final de suas obras numa mímese ipsis-literis , queimam o livro e, como no livro, fazem o mesmo na vida real. Se o personagem se joga em um rio gelado aos arredores de Buenos Aires, como o faz Esteban, o autor deve fazer o mesmo na vida, pois na concepção do grupo todo, a literatura imita a vida em todos os sentidos e aspectos. Fechando assim um ciclo irredutível, ritualístico, como os ritos de uma sociedade secreta. Aqui a sociedade secreta é a própria literatura.

São esses episódios que fazem a narrativa de Cordilheira parecer um romance juvenil em muitos aspectos. O romance também apresenta boas qualidades, como uma escrita consistente, bem enjambrada, mas peca no excesso de preciosismo e na busca pela verossimilhança numa atmosfera que tende a ser verossímil, mas o que ocorre é o oposto disso. Numa atmosfera que deveria ser mais pragmática e menos onírica, Daniel Galera constrói situações com poucos significados, nas quais tudo se resume à máxima de que "a literatura imita a vida".

Termina assim o ciclo com o suicídio de Holden, mesmo sabendo que iria ser pai, porém mesmo assim permanece fiel à ideologia pessoal e do grupo. Diego Parisi, que era o nome verdadeiro de Holden, que era protagonista de seu romance, mantén-se fiel o tempo todo aos passos do aventureiro fictício que parte numa busca niilista pelo significado de sua existência pelas cordilheiras da Patagônia. É uma tentativa de realizar uma narrativa existencial, mas acaba se perdendo pelo caminho. Esperemos um próximo romance de Galera que de fato pegue na veia. Cordilheira é apenas uma boa tentativa.