segunda-feira, 7 de julho de 2008

O ESCAFANDRO E A BORBOLETA: A INSUSTENTÁVEL LEVEZA DO SER


Assistir a um bom filme é sempre uma experiência interessante, mas assistir a um excelente filme cult é uma experiência surreal. Me refiro ao filme francês O Escafandro e a Borboleta (Le Scaphandre et le Papillon) de Julian Schnabel. O longa concorreu a quatro indicações ao Oscar e ganhou alguns prêmios em Cannes, como melhor diretor e o Grande Prêmio Técnico.

O protagonista, Jean-Dominique Bauby (Mathieu Amalric), é um jornalista de 43 anos que sofre um acidente vascular cerebral e fica em estado vegetativo, podendo mexer apenas seu olho esquerdo. O início do filme mostra Jean-Do abrindo seu olho e os médicos falando com ele, mas durante os primeiros 30 minutos do filme seu rosto não aparece, e a visão que temos é a do próprio Bauby, aprendendo o sinal que as médicas ensinam a ele, que consiste em identificar as letras do alfabeto através de uma piscada para sim e duas para não. E dessa forma ele vai construindo palavras, sentenças e parágrafos completos.

A sensação do espectador é de tensão durante todo o filme. Muito dessa tensão se deve ao fato da paisagem ser fundamental para o significado da borboleta no título do filme, que indica e/ou sugere a sensação de liberdade, de leveza, pois o vôo da borboleta aqui remete à vontade de Bauby de se livrar do peso de sua existência (o escafandro) e o hospital no qual Bauby se recupera fica numa praia afastada na França, em frente ao mar. O ambiente para a sensação de submersão do escafandro se dá de maneira dramática quando Bauby se depara com a imensidão do mar diante de seu olho (seu olho direito fora costurado, pois não podia fechá-lo) e a sequência de imagens que segue é belíssima.

Diante de um quadro irreversível, Bauby em monólogos interiores irredutíveis, aceita sua realidade e constata que possui duas qualidades que não perdeu com o derrame: a permanência de sua memória e de sua imaginação. É nessa perspectiva que o filme alcança uma beleza rara, pois Bauby em vários momentos se imagina em diversos lugares em que esteve ou que gostaria de ter visitado, como na cena em que aparece em um restaurante com sua esposa em um verdadeiro banquete, que serve de metáfora antropofágica.

A evocação de sua infância com seu pai na estação de trem é de uma beleza incrível, mas no plano da memória, o fato mais importante é uma cena em que já adulto conversa com seu pai (Max von Sydow) enquanto Bauby o ajuda a se barbear, e nessa prática mantêm um diálogo que na memória de Bauby, tempos depois, se torna fundamental para a compreensão de sua situação, pois ele se dá conta que não pode voltar atrás e tentar uma espécie de reconciliação com o pai, e isso o tortura de maneira tão forte que o leva mais fundo ainda ao desespero.

A religião aparece no filme de uma forma controversa, pois Bauby era ateu, e sua amante, Inés, aparece no filme como católica fervorosa. Bauby chega a sentir repulsa por uma imagem da Virgem Maria que Inés comprara numa viagem que fizeram ao interior da França, e essa lembrança o invade de forma que em certo momento o faz rever alguns conceitos sobre divindade, mas o seu ateísmo predomina de forma tão forte, que o protagonista até zomba da suposta existência de Deus. A sua relação com a religião se aproxima da náusea sartreana, como aliás se aproxima todo seu modo de pensar e de agir, negando a existência de um ser superior e transferindo essa divindade celeste à própria condição do ser humano, que é pobre e mísera.

A jornada interior de Bauby é repleta por imagens fortes, cores, dores e por uma intensa vontade de viver, fato que mais uma vez o aproxima à náusea sartreana. Para o Existencialismo, além da natureza humana ser anulada por consequência da inexistência de divindade, tudo que vai contra à vida não faz sentido, portanto, seu atual estado deve ser breve e passageiro, e o contato com a palavra, que no caso dele não é a palavra escrita, mas mesmo assim é fonte de vida e de uma busca metafísica pelo seu significado.