quarta-feira, 17 de setembro de 2008

LIRISMO


"Depois dos gregos nunca um povo tão pequeno criou uma literatura tão grande" é uma afirmação de Aubrey Bell sobre a litera­tura portuguesa, que a coloca, pelo juízo de valor que encerra, em lugar de proeminência no conjunto das literaturas de expressão universal.

A relação entre uma literatura tão extensa e a dimensão quan­titativa reduzida do povo que a faz tem despertado a atenção dos que se voltam para o estudo da literatura portuguesa. A explicação para este fato tem sido buscada na índole subjetiva do povo - e do homem - português. Assim se explicaria a sua decisiva inclinação para a literatura e, em espe­cial, para a poesia. Teófilo Braga, um dos primeiros estudiosos a insistir no subjetivismo como caráter definidor do gênio português, afirma, em prefácio ao Parnaso Português Moderno, que "Em Portugal todos são poetas, uns em segredo, como um vício oculto; outros não passam dos limites efêmeros do jornalismo; outros alentam o fogo sagrado até aos vinte e cinco anos, como o sr. Herculano; outros têm a coragem de pro­duzir volumes, continuam a publicar versos depois de directores de secre­taria, depois de serem embaixadores e ministros."

Fidelino de Figueiredo, em Características da Literatura Portu­guesa, já aborda o problema por outro ângulo. Para ele, o necessário é que haja "elementos universais" no gênio nacional desse pequeno povo para a realização de uma grande e "nobre literatura".

A reduzida população portuguesa é invocada, modernamente, por autores como Óscar Lopes para justificar o que alguns consideram como limitações do gênio português para determinados aspectos das artes. Limitações estas que foram referidas também por Fidelino de Figueiredo, no citado estudo.

Comentando estas considerações, diz Óscar Lopes: "No domí­nio das Letras, segundo alguns, seríamos avessos ao teatro, à crítica esté­tica, à especulação filosófica, quem sabe se ao romance (pelo menos ao romance de observação externa); nas Artes, seríamos incapazes de criar uma escola nacional de pintura ou de música, noutros campos faltar-nos-iam o espírito de cooperação, a autodisciplina racional, a capa­cidade de abstracção e de síntese científicas."


(...)

Quanto ao caráter subjetivo da literatura portuguesa, seria possível estudá-lo do ponto de vista do profundo sentimentalismo refle­tido na literatura, esta quase sempre impregnada do "dom das lágrimas", na expressão de Moniz Barreto, ou do saudosismo, que, para Teixeira de Pascoaes, constitui a própria expressão da alma portuguesa. Um excerto, porém, de A Literatura Portuguesa , Expressão duma Cultura Nacional, de Jacinto do Prado Coelho, engloba estes e outros aspectos, e aponta para o lirismo como a expressão-síntese desta literatura:



Se tivermos em conta os autores que mais deti­damente enunciaram as características da literatura portuguesa, como Fidelino de Figueiredo, Aubrey Bell, António Sérgio, António Salgado Júnior e tam­bém algumas achegas de historiadores, etnólogos e ensaístas, como Jaime Cortesão, Jorge Dias, etc., pode­remos talvez concluir que duas tónicas fundamentais individualizam a cultura e a literatura nacionais: o subjectivismo e a acção. No primeiro se filia, com efeito, a já proverbial inclinação lírica; e é forçoso reconhecer que o mais abundante caudal desta lite­ratura, de fins do século XII aos nossos dias, tem sido o da poesia lírica - poesia amorosa - terna ou apaixona­da, obsessiva, nostálgica. Em parte por esta feição literária, comum à Galiza e a Portugal, e ainda porven­tura porque a mesma índole se manifesta no plano da vida quotidiana, nos séculos XVI e XVII Galegos e Portugueses tinham fama, na Península, de senti­mentais e muito atreitos ao amor - fama que, por seu turno, havia de projectar-se na literatura.



(BUENO, Jayme Ferreira. Távola Redonda: uma experiência lírica. Curitiba: Champagnat, 1983, p. 1-3)