quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

ESCRITORES PORTUGUESES CONTEMPORÂNEOS (II) - ALMEIDA FARIA: AS VOZES DO 25 DE ABRIL


Por muito tempo a palavra revolução foi sinônimo de melhora. "Vamos fazer uma revolução!" Muito comum em governos ditatoriais, revoluções não passam de eufemismos juvenis para uma baderna comunista generalizada. Atualmente há o exemplo de Hugo Chavez e de seu populismo na Venezuela, Evo Morales na Bolívia e claro, Fidel Castro, que em nome de uma revolução afundou Cuba num obscurantismo irredutível que dura até hoje. O resultado da revolução de Fidel são 50 anos de atraso (econômico, cultural, político, etc), e claro, as milhares de "viúvas do Che"que andam por aí com boinas com estrelas vermelhas e camisetas com sua estampa compradas nas Lojas Renner.

Meu desprezo por esse bando é tanto que já me cansei deles, agora posso partir para o que de fato interessa, a literatura. A revolução de 25 de abril em Portugal teve um forte apelo popular, artístico e intelectual. Porém, muito do que se ouve sobre a Revolução dos Cravos é parte de um imaginário coletivo (de esquerda) que tende a mistificar uma situação que não foi muito mais do que banal.

No livro Lusitânia (1980), Almeida Faria desenvolve uma narrativa fragmentada sobre os acontecimentos que antecedem o 25 de abril e fatos que se estendem por um ano após o ocorrido. É interessante observar nessa obra a sua forma, pois todo o romance é narrado em forma de cartas. Trata-se de uma narrativa epistolar. A cada carta que é lida, nota-se a existência de mais de 10 narradores que se correspondem em fatos aparentemente desordenados na narrativa, mas que acabam se comunicando de certa forma.

A ação tem início quando João Carlos, um jovem rapaz filho de agricultores em decadência, misteriosamente vai parar com sua amiga Marta, em Veneza. Pelas indicações do autor há a impressão de um suposto sequestro, mas os motivos nunca são revelados e a partir desse sumiço os dois companheiros sentem-se protagonistas de um auto - exílio. A partir das primeiras cartas, nas quais João Carlos e Marta se comunicam com seus familiares expondo seu paradeiro e suas respectivas atividades diárias com pessoas completamente estranhas, inicia-se uma série de considerações nada lisonjeiras sobre Portugal.

A queda da concepção de uma identidade nacional é descrita sem pudores por João Carlos em suas cartas, e mesmo com os pedidos de sua mãe e irmãos para retornar à pátria, que agora é uma democracia, ignora completamente seus pedidos e não vê na revolução um recomeço. Não há sinal de esperança como para a maioria da população, principalmente agora que é tomada pela esquerda.

Almeida Faria criou nesse romance um artifício que o possibilita criticar a sociedade de fora para dentro, pois enquanto ocorre a Revolução dos Cravos no dia 25 de abril de 1974, e as pessoas vão para as ruas celebrar, João Carlos e Marta veem esses acontecimentos de fora, ou seja, se recusam, por vontade própria, a participar da revolução (suposta revolução) e a aderir, mascarado de democracia, ao novo governo. Nenhuma voz fica imune aos fatos, mesmo as crianças, Jó e Thiago, irmãos mais novos de João Carlos, em seus devaneios e brincadeiras refletem sobre a situação atual que, para a família de João Carlos, donos de terras, não é nada tranquila.

A cada dia, semana, mês que passa, a situação para uma já não mais existente classe média piora, e dessa forma João Carlos se vê obrigado a voltar a Portugal, já derrotado. Não vê nos novos acontecimentos possibilidades de um futuro melhor, e por isso não pretende nem faz questão de participar do presente como membro da nação. A única saida para João Carlos é o ostracismo, do qual é forte entusiasta.

Esses acontecimentos todos descritos por Almeida Faria no início do romance, o suposto rapto do casal, é outro artifício que coube muito bem na narrativa. Em momento algum do romance o mistério é revelado, portanto há duas possibilidades de leitura: a primeira é que não houve rapto algum, e sim uma fuga do casal para Veneza, pois os acontecimentos são narrados em primeira pessoa, por isso o narrador tende a inventar, a criar. A segunda possibilidade de leitura é um provável artifício do autor, criando assim, em uma atmosfera nonsense, o leitmotiv do romance, que é penetrar na sociedade portuguesa de fora para dentro, sendo assim, um narrador imune à pesada carga da identidade nacional. E Almeida Faria consegue isso. Zomba dos heróis nacionais, de uma revolução que já nasceu fracassada e que nunca, em momento algum, passou de utopia.

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