quinta-feira, 7 de maio de 2009

ANGÚSTIAS TRANSMONTANAS


Em 1907, no pequeno vilarejo São Martinho de Anta, ao norte de Portugal, nasce Adolfo Correia da Rocha, que mais tarde, já escritor publicado e médico formado, adotou como pseudônimo Miguel Torga. Torga é considerado um dos grandes escritores portugueses contemporâneos, tendo colaborado, em sua juventude, em diversas revistas literárias, sendo Presença e Manifesto as mais significativas.

Mesmo tendo começado na poesia, e sendo de fato um grande poeta, foi na prosa que Torga obteve mais êxito, principalmente no conto. Em seu primeiro volume de contos, Pão Ázimo (1931), Torga já flertava com temáticas que fizeram parte de sua vasta obra até o fim, como as descrições das angústias do homem transmontano (referente à província de Trás-os-Montes, ao norte de Portugal), como afirma Massaud Moisés:

Porque nela espera
(na terra transmontana) encontrar a explicação para a angustiante condição humana, imediatamente transformada em seu espírito num problema teológico-existencial armado ao redor de indagações-chaves: quem somos? Por que estamos aqui? Qual a razão da existência? E a morte? E Deus?"

Entretanto, é com a publicação de Rua (1942) que Torga atinge um de seus ápices na literatura portuguesa. Nesse volume de contos, Torga assume uma posição artística heterogênea, pois suas temáticas nesse livro vão além dos embates existenciais, e tampouco ficam restritas a um neo-realismo do qual participou, mesmo que com menos afinco e interesse do que muitos outros escritores contemporâneos. Em muitos dos contos presentes em Rua, Torga descreve com rara beleza o embate do indivíduo com a passagem do tempo, a chegada da velhice e condições precárias de sobrevivência (influência neo-realista).

O primeiro conto do volume, Não venha mais..., narra a saga de uma família humilde, na qual o chefe da família, um trabalhador anônimo de uma pequena empresa, é despedido injustamente por um desfalque finaceiro em seu setor. É interessante ressaltar que nesse conto, Torga sutilmente deixa transparecer suas influências neo-realistas, pois o Sr. Varela, o patrão do protagonista anônimo (também um símbolo para o trabalhador em geral), era padrinho de Humberto, o filho mais velho, porém nunca se interessou em se aproximar do afilhado, ou conhecê-lo melhor. Mandava, uma vez ao ano, uma simbólica quantia em dinheiro no dia de seu aniversário, sendo que, após vários anos, o Sr. Varela esqueceu de enviar o dinheiro que sempre enviava, e como se não bastasse, despediu o funcionário de confiança. O final, como é constante em vários outros contos, termina tragicamente, com o suicídio do protagonista.

No conto O Estrela e a mulher, a problemática da passagem do tempo é trabalhada em uma narrativa poética, com nuances metafísicas que se desenvolvem em uma atmosfera urbana. Trata-se de um casal muito conhecido na vizinhança e, juntos, em sua cama, amanhecem mortos. Nesse conto a força e a linguagem do poeta Miguel Torga juntam-se à força narrativa, resultando assim num belo exemplo de prosa poética.

Como de costume, às oito, o sol começou a entrar pelo quarto dentro. Mas já não pôde, à semelhança das mais vezes, descer do peitoril da janela, inundar o soalho, subir à cama, devorar pouco a pouco a colcha branca, incendiar um naco do cobertor vermelho, e acabar por bater-lhes em cheio nas meninas dos olhos. Hoje um e logo a seguir outro, tinham partido. Discretamente, disseram adeus àquelas quatro paredes, voltaram costas à realidade, fecharam-se num recolhimento tão íntimo e tão persistente, que só mesmo no fundo duma sepultura. Deram-lha, então (p.33).

Tantos outros contos do livro são importantes para a análise, como Um dia triste, A Reforma, A Leonor Viajada e Uma luta, porém o texto se estenderia muito. Portanto, seguem as considerações finais sobre o conto Pensão Central, o melhor dos 13 contos que compõem Rua. Em Pensão Central, há uma mudança espacial em relação aos outros contos. A narrativa inicia com Belmiro, único funcionário da Pensão Central, uma antiga pensão que teve um passado esplendoroso, mas que no presente amarga uma total ausência de hóspedes.

D. Teresa, dona da pensão, já conformada com a chegada da velhice e com a falta de fregueses, é a imagem síntese de uma resignação metafísica que assola o ser humano no fim da vida. O fim de seu negócio e consequentemente a escassez de movimento de sua pousada tecem uma linha parelha com o final de sua vida, encerrando dessa forma um ciclo que não mais se estenderá.

Em um movimento narrativo muito bem construído, Torga faz um flashback para explicar a gênese da ruína da Pensão Central. Tudo começou com a chegada de um hóspede misterioso, com hábitos estranhos e nada ortodoxos aos olhos de D. Teresa e dos outros hóspedes. Macedo, um homem que dormia a maior parte do dia, e à noite, é aqui que está a bela sacada de Torga, saía em caminhadas pelas ruas da cidade. Há de se notar aqui a incursão de Torga numa técnica literária muito usada pelos neo-realistas, a narrativa atmosférica. Trata-se de um tipo de narrativa na qual o espaço ( ou algum elemento inanimado, como a noite neste conto, a escuridão), exerce uma influência fundamental na ação do texto, como se o espaço, ou elementos desse espaço, fossem também personagens.

O tom obscuro que é assumido nesse conto e a atmosfera escura e lúgubre são elementos que fazem de Pensão Central um belíssimo conto, levemente ao estilo de Edgar Allan Poe. Interessante aqui é o mistério que fica por solucionar, a atmosfera nonsense que é assumida quando o forasteiro aparece na narrativa e a deixa, como em um fechar de cortinas no teatro. E é por causa desses hábitos estranhos de Macedo que os outros hóspedes vão abandonando a pousada, e dessa maneira a notícia de que um louco é hóspede da Pensão Central, acaba por levar D. Teresa à falência.

O título do livro também remete a algumas considerações. Em sua maioria, os contos de Rua descrevem espaços urbanos nos quais geralmente suas ações se passam em ambientes mais abertos, na rua, como um simulacro da vida real, com todas suas mazelas, prazeres e angústias. Há uma grande gama de figuras típicas das vilas portuguesas, na maior parte anônimos que são designados pela profissão ou função que exercem na sociedade. E assim como esta "rua" serve como sustentáculo real e metafísico, em muitos aspectos também é a ruina do indivíduo.

* Para o leitor que se interessar, Rua foi objeto de estudo da Professora Marcella Lopes Guimarãens, em sua dissertação de mestrado. Sua dissertação foi defendida na UFRJ em 1999, e foi lançada em forma de livro pela Editora Juruá, em 2001. O título do livro é Visões da Cidade: um passeio por Rua de Miguel Torga.



2 comentários:

Felipe Feijó disse...

E dai primo, me manda um email que preciso te mandar um email não achei o seu na minha lista.

felipee.feijo@gmail.com

e aproveita e entra no blog de um amigo da faculdade segue o endereço um abraço

http://mescapo.blogspot.com/2009_06_01_archive.html#7166417894260627814

cuide-se por ai

Daniel Osiecki disse...

E aí, meu velho. Beleza, vou te mandar o e-mail sim e visitar o blog. Aquele abraço.