quarta-feira, 8 de setembro de 2010

ESTEIROS E SUA RELEVÂNCIA PARA O MOVIMENTO NEORREALISTA


O neorrealismo português foi uma vertente que teve grande destaque na literatura portuguesa a partir do início dos anos 40 até meados dos anos 50. A corrente neorrealista foi um celeiro de escritores, principalmente romancistas, pois as temáticas sociais que interessavam aos autores na época, os quais necessitavam de um espaço ficcional mais abrangente, e isso era melhor realizado no romance.

Escritores de alto calibre aderiram ao movimento, como Augusto Abelaira, José Cardoso Pires,Vergílio Ferreira,Fernando Namora, Carlos de Oliveira, e vários outros grandes prosadores que depois do neorrealismo saturar-se, buscaram outros caminhos literários. Muitos críticos em Portugal acusavam os neorrealistas de serem panfletários, de usarem a literatura como fonte subserviente do PCP (Partido Comunista Português); mesmo havendo alguns autores que realmente fizeram literatura panfletária, isso não tira o valor e o mérito artístico literário do neorrealismo.

Para traçar um painel histórico do neorrealismo desde a configuração de sua gênese até seu esgotamento final, há de voltar-se a três obras básicas: A Selva (1939) de Ferreira de Castro; Gaibéus (1940) de Alves Redol e Esteiros (1941)de Soeiro Pereira Gomes.De certa maneira esses três autores estão ligados, tanto por serem conterrâneos, contemporâneos e terem influências em comum.

O neorrealismo teve basicamente duas influências principais: a chamada Geração Perdida dos anos 30, que foi uma corrente norte-americana criada por Gertrud Stein (1874 - 1946) e que teve adeptos como Ernest Hemingway, Willian Faulkner, John dos Passos, John Steinbeck, etc. Foi um movimento que revelou grandes prosadores preocupados com temáticas socias, com a exploração de donos de terras e banqueiros por terras devastadas e com impostos atrasados, como fica muito evidente em As Vinhas da Ira (1938) de Steinbeck.

A outra influência foi a literatura regionalista brasileira de 1930, com nomes como Jorge Amado, Raquel de Queiroz, José Américo de Almeida, Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Cyro dos Anjos, etc. Todos esses escritores brasileiros estavam preocupados com uma grande mudança social, e foi através da prosa, principalmente do romance, que influenciaram todo o Brasil e mais tarde Portugal. A linguagem utilizada por esses prosadores era muito direta, linear, até certo ponto jornalística, pois era um reflexo de seu ideário marxista. A "revolução" estava na iminência de acontecer, por isso não havia entre os escritores da Geração de 30 espaço para individualismos, fluxo de consciência e linguagem rebuscada.

Quando os portugueses tiveram contato com essas duas correntes distintas (porém muito próximas)seus primeiros cultores passaram a produzir literatura engajada, primeiramente num ambiente rural, mais carente e subjugado pelo progresso do meio urbano. O espaço escolhido pelos neorrealistas foi o Alentejo (região ao sul de Portugal) e isso evidencia-se em muitos romances, como O Trigo e o Joio (1954) de Fernando Namora, Cerromaior (1943) de Manuel da Fonseca e Esteiros (1941) de Soeiro Pereira Gomes, só para citar alguns.

Com Esteiros, Soeiro Pereira Gomes alcançou certa popularidade entre os neorrealistas, mas seu romance não é considerado uma obra-prima. Esteiros é uma obra importante do neorrealismo por seguir os moldes de Gaibéus, por denunciar um regime opressor e de exploração infantil no interior de Portugal.

O enredo de Esteiros, assim como Gaibéus, não gira em torno de um personagem principal, mas retrata toda uma coletividade sedenta por justiça, mas que não sabe como chegar a ela. O romance conta a história de um grupo de meninos entre 8 e 10 anos que vive miseravelmente cometendo pequenos furtos ou trabalhando em regime de semi escravidão em telhais, que são as olarias em Portugal.

Apesar de não apresentar um protagonista único, o romance dá ênfase a três dos meninos, que representam todo o coletivo. O primeiro deles é Gineto, rebelde por natureza; o segundo é Gaitinhas, um dos únicos que chegou a ir para a escola e teve mais estudo do que os outros; e o terceiro é o Sagui, morador de rua e completamente desapegado a bens materiais. Cada um dos jovens representa uma espécie de classe diferente da outra, mas que na coletividade se completam.

Esteiros talvez peque no preciosismo do enredo, pois apresenta capatazes crueis e maus, porém a imagem que Má-Cara (capataz do telheiro) tem é muito estereotipada, beira o grotesco. Nesse aspecto falta um pouco de verossimilhança.Na obra como um todo, Esteiros segue basicamente o padrão neorrealista, ou seja, enredo linear, ambientado em um espaço rural opressor, uma gama considerável de personagens que são explorados por patrões e pelo sistema capitalista. Pode parecer que o romance não apresente nenhum elemento novo, mas na época de seu lançamento, 1941, com certeza tornou-se uma obra relevante se levarmos em consideração o contexto histórico social no qual a obra está inserida.

Levando em conta ou não certas impurezas que podem ser identificadas no romance, de qualquer maneira a obra deve ser lida e estudada, se não por inovações linguísticas e estilísticas, por sua relevância histórica e social.

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