Espingardas e Música Clássica. Esse é o título do mais significativo romance de Alexandre Pinheiro Torres, crítico, professor e ensaísta português auto-exilado em País de Gales. Deparei-me com sua ficção por acaso, pois só conhecia sua obra de não-ficção, principalmente suas obras de análise sobre o Neo-Realismo português.
Nesse romance, que só foi publicado 24 anos depois de ter sido escrito, Torres faz uma releitura de Amor de Perdição, de Camilo Castelo Branco. Usa os mesmos nomes dos personagens, porém o universo é outro. A ação transcorre ao longo de quinze dias entre 1961 e 1962, em pleno regime salazarista, e há uma quebra lógica com os caracteres românticos de Camilo. Thereza, por exemplo, não é a virgem recatada que obedece ao pai, mas sim uma universitária rebelde que vê na figura do pai, Tadeu de Albuquerque, o totalitarismo de Salazar.
Outro personagem relevante é o herói, Simão Botelho, que no romance de Camilo é o estereótipo do herói romântico, mas em Espingardas e Música Clássica, é um funcionário da fábrica de Tadeu Albuquerque e grevista revolucionário.
Deve-se levar em consideração o título do romance, que faz menção à ditadura de Salazar de uma maneira pouco sutil. No final de 1961 Portugal estava em guerra com a Índia, ou seja, disputando Goa, que era colônia portuguesa. E Portugal estava em grande desvantagem, portanto nas rádios, ao invéz de dar as notícias da guerra e das greves que estavam acontecendo na cidade fictícia de Frariz, tocava música clássica o dia todo.
Pode-se dizer que é uma obra de protesto, mas vai muito além do simples manifesto panfletário. Obra pungente que não teve seu merecido reconhecimento. Grande romance de um escritor que foi mais reconhecido como crítico.
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