quinta-feira, 26 de julho de 2007

Entrevista com Moacyr Scliar


Descobri Moacyr Scliar assistindo ao programa do Bóris Casoy (outro judeu! Coincidência?) em 2003, na TV Record. Moacyr falava sobre o plágio de seu livro Max e os Felinos, e desde então o universo deste autor nunca deixou de me acompanhar. A Porto Alegre mítica que vemos em A Guerra no Bom Fim ou em O Ciclo das Águas serve de espaço para diversos conflitos, judaicos ou não.

É este Scliar que me atrai sobremaneira, o judeu que escreve sobre seus próprios medos, suas angústias e prazeres. É este Moacyr Scliar que muitas e muitas vezes me levou às lágrimas, que escolhi como tema de análise da minha monografia da especialização em Literatura Brasileira na pucpr.

Para um aprofundamento maior de meu estudo de O Centauro no Jardim( obra que analiso em minha monografia), procurei o próprio autor para uma entrevista. Moacyr cedeu gentilmente a entrevista que segue abaixo, e que estará em anexo em meu trabalho da especialização.
Viva o escritorzinho do Bom Fim!

Entrevista

Daniel Osiecki - Por que a condição judaica está diretamente ligada ao sofrimento, à tragédia?

Moacyr Scliar - Por causa da longa história de perseguições, discriminação e extermínio. A isto se acrescenta o fenômeno da diáspora: tratava-se de um grupo humano que vagava de um país para outro e muitas vezes era visto com estranheza e hostilidade.

D.O. - Em Saturno nos Trópicos você fala sobre contágio psíquico. Notamos que há características de melancolia presentes na condição judaica, seja no modo de pensar, no modo de viver, de escrever, etc. Isso é milenar e passa de geração para geração.No caso do judaísmo há contágio psíquico?

M.S. - Certamente, mas o que predomina é a condição comum, que é geradora de tristeza, de melancolia.

D.O. - Pode-se dizer que a melancolia presente no judaísmo é atávica?

M.S. - Pode-se dizer que ela tem uma história. Mas se por "atávica" queremos dizer"herdada, genética" aí a afirmação é duvidosa.

D.O. - Em O Centauro no Jardim notamos certa inconstância no pensamento de Guedali em relação a sua condição. Conflito tipicamente judaico. Para você o que mais caracteriza esse conflito?

M.S. - Judaísmo envolve um forte problema de identidade, mais nítido naqueles que, como Guedali, são filhos de imigrantese que estão constantemente se perguntando quem são, qual a cultura a que pertencem: a de casa, a da rua (escola, clube...) ou ambas?

D.O. - Pode-se dizer que esse aceitar/não-aceitar sua condição de judeu(centauro), aproxima Guedali à náusea sartreana?

M.S. - Sim, há um componente existencial, mas não é o que predomina. O problema é psicológico e cultural.

D.O. - Moacyr, dentre tantos conflitos que Guedali trava consigo próprio, o principal é o fato de que ele é metade homem e metade cavalo. Sabemos que o cavalo nunca foi o animal com quem os judeus tivessem mais afinidade.História ou lenda, não sabemos, mas esse fato é mais simbólico do que histórico. Portanto, Guedali sendo um judeu centauro, não faz desse conflito mais dramático ainda?

M.S. - Certamente. Ali temos um judeu vivendo na região do"centauro dos pampas", o gaúcho, e mais, sendo ele próprio centauro. Ou seja: eu não poderia imaginar carga maior de desconforto para o meu personagem...

D.O - Em outros romances seus como Os Deuses de Raquel e Os Voluntários, observamos que você explora o encontro com a cultura diferente. No caso deOs Deuses de Raquel, a pequena Raquel sai do colégio iídiche e vai para um colégio católico. Fato que inicia um conflito interior que a marcará por toda sua vida. Em Os Voluntários há o conflito entre Benjamin e Samir,aquele judeu, este palestino. No caso de Guedali, o conflito maior está presente em sua relação com o aceitar/não-aceitar de sua condição ou com a sociedade que o vê como aberração?

M.S. - Com as duas situações. É um conflito múltiplo, mas que termina em simples acomodação: "agora está tudo bem".

D.O. - Para encerrar, esse conflito consigo próprio, com a família e com a sociedade, aproxima Guedali a Gregor Samsa?

M.S. - Em parte, mas devemos notar que o conflito de Kafka é existencial, sartreano. As circunstâncias históricas, políticas, culturais, que destaco no livro, pesam muito pouco numa obra como A Metamorfose, ainda que a ficção kafkiana possa ser vista como antecipação do totalitarismo.

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